sábado, 30 de junho de 2018

Resenha: Deuses Americanos #1: Sombras

 
“Deuses Americanos é, na verdade, uma história sobre a alma dos Estados Unidos. Sobre o que as pessoas levaram para lá; sobre o que acharam lá quando chegaram; e sobre as coisas que ficaram adormecidas debaixo de tudo isso”. 

Sinopse: “Uma das maiores qualidades da prosa de Neil Gaiman é sua capacidade de envolver os leitores, descrevendo qualquer mundo com tal facilidade que, não importa quão fantástico seja, soa sempre estranhamente familiar. Ao lermos uma de suas histórias, concluímos que, sim, é claro que deuses existem. É claro que estamos entre nós. Provavelmente já cruzamos com um deles alguma vez na vida. Gaiman nos faz acreditar (e nós acreditamos) que tudo é possível. E agora acreditamos, inclusive, que é possível adaptar Deuses Americanos – seu livro mais aclamado, mais ousado, mais denso – para os quadrinhos”. 

Título: Deuses Americanos #1: Sombras. 
História e texto: Neil Gaiman. 
Roteiro e Layouts: P. Craig Russel.
Arte: Scott Hampton (com artes de Walter Simonson, Colleen Doran, Glenn Fabry, Fábio Moon, Laura Martin, Lovern Kindzierski e Adam Brown).
Capa: David Mack.
Páginas: 264 páginas.
Editora: Intrínseca. 
ISBN: 978-85-510-0306-0.

“Ele chegou à conclusão de que, para aqueles que não tinham sido condenados à morte, a cadeia era, na melhor das hipóteses, apenas um retiro temporário da vida – e por dois motivos. Primeiro que a vida se esgueira para dentro da cadeia. E, segundo, porque se o detento aguentar firme, algum dia alguém vai ter que soltá-lo”. 

Algumas Impressões 

Neil Gaiman é um daqueles autores que, quando alguém lhe pede para falar sobre as obras, só o que você consegue dizer é que “é complicado descrever, mas sua narrativa é simplesmente única e genial”. Nos últimos anos, as tramas criadas por ele passaram a ocupar as primeiras posições da minha lista de favoritas, e, com uma escrita irreverente, versátil e original, Gaiman conquista por criar enredos fantásticos, intrincados, criativos, complexos e extremamente desafiadores. Uma de suas histórias mais aclamadas, “Deuses Americanos” foi lançado primeiramente em junho de 2001, e, em 2016, ganhou uma nova edição com conteúdo extra e um texto mais extenso, somando 576 páginas (clique para ler a resenha). E agora, em 2018, com roteiro e layouts de P. Craig Russell e arte de Scott Hampton (além de uma extensa lista de artistas convidados), o romance toma as páginas da nona arte em uma versão em quadrinhos dividida em partes, e a primeira, denominada “Sombras”, chegou por aqui através da parceria com a Editora Intrínseca. Com uma capacidade impressionante de dar vida e voz aos mais diversos mitos, Neil Gaiman humaniza – tanto através da inserção dos mesmos em nosso contexto social, quanto por meio da associação -, os personagens das diversas mitologias, tornando praticamente impossível diferenciá-los de nós mesmos. Com uma miscelânea de deuses velhos e novos, frutos de uma sociedade pautada no consumo e na ausência de limites, o autor expõe a mitologia dos tempos modernos, desafiando a percepção ao mesmo tempo em que tece uma crítica sobre os rumos de nossa existência. Em outras palavras, a cada página nos aproximamos um pouco mais do intangível e do inimaginável, e, ainda no início da jornada, acreditamos que tudo é possível. 

 
“Shadow achava que reprimir as emoções trazia muitas vantagens. Acreditava que, se os sentimentos ficassem enterrados por tempo suficiente e a uma profundidade suficiente, logo não sentiria mais nada”. 

Na trama, somos reapresentados a Shadow, um homem que, após passar três anos na cadeia, só desejava voltar para casa e seguir a vida ao lado da esposa. Entretanto, pouco antes de ser libertado, uma nova “tempestade” o alcança, e, ao descobrir que Laura está morta, ele se vê completamente sem rumo. É neste cenário nada promissor que nosso “herói” encontra um excêntrico senhor chamado Wednesday, que parece saber mais sobre Shadow do que ele mesmo e possui uma proposta de emprego para lhe oferecer. Começa então uma grande jornada na vida do personagem, que, aos poucos, vai abrindo os olhos para um mundo completamente novo e misterioso, uma realidade onde os deuses (velhos e novos) circulam entre nós e ameaçam travar a batalha que mudará para sempre a existência. Nesta rica versão em quadrinhos, o roteirista P. Craig Russel, parceiro de longa data de Neil Gaiman, foi responsável por traçar a rota desta nova viagem, decidindo o que deveria ser mantido do texto original do autor e o que ficaria por conta das artes pensadas, em sua maioria, por Scott Hampton. Após contar os primeiros capítulos da história de Shadow, esta primeira edição encontra seu desfecho em um momento crucial, e, por mais que cative o leitor por si só, abre margens para a expectativa quanto ao próximo volume, denominado “Ainsel, Eu Mesmo”. O quadrinho também conta com inúmeros artistas incríveis que contribuem com artes que não podem ser descritas de outra forma se não fantásticas, e os leitores são agraciados com conteúdo extra sobre o processo de criação, esboços e layout original à lápis de Russell e uma galeria de capas pensadas pelos ilustradores convidados. 

 
Em linhas gerais, “Deuses Americanos” é uma obra difícil de se ler e resenhar, contudo, acredito que a versão em quadrinhos lançou uma nova perspectiva sobre a trama, sendo a união entre a imagem e o texto uma forma mais lúdica e imersiva de se compreender a narrativa. Gostei muito da forma como a edição foi organizada, e penso que mesmo os que ainda vivem um caso de amor e ódio com as produções do autor deveriam dar uma chance para esta adaptação. Particularmente, penso que, uma vez domadas as contradições iniciais e contestadas as questões inerentes às nossas próprias crenças e conhecimentos, torna-se extremamente fácil abrir a mente para todo o novo mundo que nos é apresentado, desafiando a quem quer que seja a descobrir seus segredos. Por fim, o que mais me conquista nas histórias do autor é a capacidade que este possui de surpreender mesmo aqueles que não são facilmente surpreendidos. Eu não esperava, e, no inesperado, Gaiman me ganhou para sempre. Leitura mais do que recomendada.

Sobre a Intrínseca
Uma editora jovem, não só na idade – afinal foi fundada em dezembro de 2003 – mas no espírito inovador de optar pela publicação de ficção e não ficção priorizando a qualidade, e não a quantidade de lançamentos. Essa é a marca da Intrínseca, cujo catálogo reúne títulos cuidadosamente selecionados, dotados de uma vocação rara: conjugar valor literário e sucesso comercial.



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