terça-feira, 27 de novembro de 2018

Resenha: Um Milhão de Finais Felizes

“Eu tenho certeza de que, mesmo passando por tanta coisa ruim na vida, você ainda guarda um milhão de finais felizes aí dentro”. 

Sinopse: “Jonas não sabe muito bem o que fazer da vida. Entre suas leituras e ideias para livros anotadas em um caderninho de bolso, ele precisa dar conta de seus turnos no Rocket Café e ainda lidar com o conservadorismo de seus pais. Sua mãe alimenta a esperança de que ele volte a frequentar a igreja, e seu pai não faz muito por ele além de trazer problemas. Mas é quando conhece Arthur, um belo garoto de barba ruiva, que Jonas passa a questionar por quanto tempo conseguirá viver sob as expectativas de seus pais, fingindo ser uma pessoa diferente de quem é de verdade. Buscando conforto em seus amigos (e na sua história sobre dois piratas bonitões que se parecem muito com ele e Arthur), Jonas entenderá o verdadeiro significado de família e amizade, e descobrirá o poder de uma boa história. 

Título: Um Milhão de Finais Felizes. 
Autor: Vitor Martins. 
Páginas: 351 páginas. 
Editora: Globo Alt. 
ISBN: 978-85-250-6537-7. 

“Dentro de mim, sinto uma mistura de gratidão com indignação. Penso no esforço da minha mãe para manter a casa em ordem todos os dias e no esforço do meu pai para que ela sinta que tudo o que ela faz não é o bastante. É o tipo de sentimento que me dá vontade de gritar e sumir ao mesmo tempo. Eu me sinto cheio, mas vazio ao mesmo tempo. É exaustivo demais viver assim”. 

Algumas Impressões 

Vitor Martins é um daqueles autores que, quando você prova da narrativa, já começa a sentir a ansiedade pela próxima história antes mesmo de terminar a leitura atual. Na resenha de “Quinze Dias” - seu primeiro livro, lançado no ano passado -, comentei que, quando temos a oportunidade de acompanhar o autor já há algum tempo e de observar seu processo de escrita (mesmo que através das redes sociais), a experiência se torna ainda mais significativa, o que se repetiu com seu segundo romance, “Um Milhão de Finais Felizes”. Mais uma vez, estive no lançamento do título, na Bienal Internacional do Livro de São Paulo (2018), e foi gratificante poder reencontrá-lo e prestigiar seu trabalho, afinal, se você não conhece as narrativas do Vitor, saiba que o que as torna mais relevantes é a forma como fogem à zona de conforto de grande parte da sociedade e levantam temáticas que precisam muito serem discutidas, em especial no que diz respeito à comunidade LGBTQIA+.

“O contraste de como eu me sinto dentro e fora de casa fica cada vez mais evidente. É cansativo viver nessa montanha-russa que sobe e desce o tempo inteiro. Eu não aguento mais. Quero andar em linha reta, na montanha-russa mais sem graça de todos os tempos. Ou melhor, quero descer desse brinquedo. Quero sair daqui. Eu não sei como sair daqui. Eu quero me sentir bem”. 

Isso porque, atualmente, o Brasil possui o maior índice de morte de pessoas pertencentes a esta comunidade no mundo, sendo que, segundo um levantamento do Grupo Gay da Bahia (GGB), divulgado em 2017, a cada dezenove horas um LGBTQIA+ é assassinado ou comete suicídio no país em decorrência do preconceito. Tema da Parada LGBT de São Paulo no ano passado, o fundamentalismo religioso e a intolerância (além das intervenções da chamada “bancada evangélica” no Congresso Nacional), são itens marcantes na lista de dificuldades enfrentadas principalmente pelos homossexuais e transexuais, e, na maioria esmagadora dos casos, dentro de sua própria casa (e pela própria família). Pode-se dizer que o embate entre a comunidade LGBT e determinados grupos religiosos é histórico, resultando em discursos que colaboram para a manutenção do preconceito e o aumento constante dos casos de violência. Com isso em mente, é compreensível imaginar que um enredo que trouxesse esta temática seria extremamente dolorosa de ser lida. Contudo, em “Um Milhão de Finais Felizes”, Vitor Martins dá seu recado ao encontrar com maestria o equilíbrio entre tristeza e felicidade, abordando a realidade sem deixar de flertar com a fantasia. 


“Quando abro a porta, ele me cobre com o abraço mais apertado que eu já recebi na vida. Diferente de Karina, ele não parece ter medo de me quebrar. Seu abraço me enche de fôlego e, de alguma forma, junta alguns pedaços que estavam espalhados em mim até agora”. 

Na trama, acompanhamos a rotina de Jonas, um jovem gay de dezenove anos que, após concluir o Ensino Médio, está completamente sem perspectivas em relação ao futuro. Ele trabalha em uma cafeteria chamada Rocket Café (uma espécie de Starbucks futurista) para ajudar nas contas da casa, mas o que gostaria mesmo é de ser escritor. E, por mais que ainda não tenha desenvolvido nenhuma história, está sempre com seu caderninho de ideias, as quais anota na esperança de um dia finalmente tirar o desejo do papel. Em constante conflito consigo mesmo, Jonas não sabe como revelar aos pais sua sexualidade, já que acumula motivos que o levam a acreditar que nenhum dos dois irá aprovar: sua mãe é extremamente religiosa, enquanto o pai é intolerante e abusivo. Vivendo todos os dias em uma espécie de limbo, ele precisa encontrar uma forma de se libertar desta exaustiva dinâmica doméstica, onde se sente constantemente culpado, deslocado e amedrontado. As coisas começam a mudar quando ele conhece um rapaz muito singular no trabalho, que, além de despertar seu interesse, ainda se transforma na inspiração para sua primeira narrativa.


Intercalando a narrativa de sua própria vida com a fantasia criada por ele (“Piratas Gays”, uma história por Jonas Oliveira), “Um Milhão de Finais Felizes” acumula muitos pontos fortes, dentre os quais quero destacar as maravilhosas referências à cultura pop, a construção impecável de seus personagens, o ar realista e extremamente emocionante, o gostinho de comédia romântica proporcionado por inúmeras passagens, e claro, a abordagem mais do que sensível à dinâmica complexa dos relacionamentos. Por mais que eu não possua lugar de fala para dizer que entendo o que é passar pelos problemas abordados aqui, conheço pessoas que viveram e ainda vivem na mesma situação, afinal, infelizmente o preconceito é algo muito presente na sociedade. É fato que a dualidade e a culpa estão presentes na vida de inúmeros membros da comunidade LGBTQIA+, que cresceram acreditando que sua sexualidade é uma espécie de “passaporte” para um lugar ruim. Este livro é, essencialmente, uma história sobre a família, mas não apenas aquela na qual nascemos, mas também a que escolhemos. Aqui, família é sinônimo de amizade, aceitação e amor, sem restrições. É também um enredo sobre escolhas, e como determinadas experiências podem mudar completamente nossa perspectiva sobre a vida, o universo e tudo mais.


Sobre o autor
Vitor Martins é apaixonado por livros, filmes, séries e pizza. Ele mora em São Paulo com seu namorado e seus dois gatos insubordinados e acredita que, dentro de cada um, há um milhão de finais felizes esperando para acontecer. Vitor é autor de Quinze Dias, também publicado pela Globo Alt. 



Um comentário:

  1. Já tinha ouvido comentários desta fantasia e parece ser muito boa. Adoro o tema piratas e já sei que vou amar. Saber que é nacional só me deixa ainda mais empolgada!

    www.vivendosentimentos.com.br

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