Resenha: Lugares Escuros

“Eu tenho uma maldade dentro de mim, tão real quanto um órgão. Corte minha barriga e talvez ela escorra para fora, viscosa e escura, e caia no chão para que você possa pisar nela. É o sangue dos Day. Há algo de errado com ele. Nunca fui uma boa menina e piorei depois dos assassinatos. (...) Eu não era uma criança adorável e me tornei uma adulta extremamente detestável. Se alguém fizesse um retrato da minha alma, veria um amontoado de rabiscos com presas”. 

      3 de janeiro de 1985: Libby Day tinha sete anos quando a mãe e as duas irmãs foram assassinadas em um crime brutal, que ficou conhecido como o Sacrifício Satânico de Kinnakee. Seja por sorte ou destino, a menina escapou correndo em direção à neve congelante do rigoroso inverno do Kansas, e sobreviveu com poucas sequelas. Atormentada, ficou famosa por dar um depoimento afirmando que Ben, o irmão de quinze anos, era o assassino, o que, de certa forma, acabou condenando-o à prisão perpétua. Hoje: Vinte e quatro anos depois, Ben ainda está na cadeia, e uma problemática Libby de trinta e poucos anos vive com o pouco dinheiro que sobrou de uma poupança criada por doadores que há muito se esqueceram dela. Presa em seus lugares escuros pelos acontecimentos de seu passado, ela evita ao máximo pensar nos assassinatos.

Título: Lugares Escuros (Dark Places).
Autora: Gillian Flynn.
Páginas: 352 páginas.
Editora: Intrínseca.
ISBN: 978-85-8057-591-0

“Cara Srta. Day,
Espero que esta carta chegue a você, já que parece não ter um site na internet. Li sobre você e acompanhei sua história atentamente ao longo dos anos, e estou muito interessado em saber como está e o que faz atualmente. Você vai a eventos? Integro um grupo que lhe pagaria 500 dólares apenas por sua presença. Por favor, entre em contato comigo e ficarei contente em dar mais informações.
Calorosamente, Lyle Wirth.
P.S.: Esta é uma oferta legítima”. 

      Quando o dinheiro das doações começa a acabar e ela se dá conta de que não pode mais se manter, Libby é procurada por integrantes de uma sociedade secreta obcecada por crimes e mistérios famosos conhecida como Kill Club. Por mais improvável que possa parecer para a “Pequena Day”, eles acreditam que Ben é inocente, e querem sua ajuda em uma busca por evidências que comprovem suas suposições. No intuito de continuar lucrando com sua trágica história, Libby parte em busca de pessoas do seu passado, na tentativa de consegui informações sobre a madrugada de 3 de janeiro de 1985. Enquanto a investigação de Libby a leva em diferentes direções e a faz duvidar de tudo aquilo que acreditava ser a verdade, pela primeira vez desde os assassinatos ela se vê de volta ao começo – fugindo de um assassino.

“Não. Eu vi o que vi naquela noite, pensei, meu mantra de sempre. Embora isso não fosse verdade. A verdade era que eu não tinha visto nada. Certo? Certo. Tecnicamente eu não vi nada. Apenas ouvi. Apenas ouvi porque estava escondida em um closet enquanto minha família morria porque eu era uma pequena covarde inútil”. 

Algumas Impressões

     “Este livro me deixou no chão”. Acredito que esta seja uma boa frase para explicar meu sentimento quanto terminei a leitura. Quando li Garota Exemplar, da mesma autora, o enredo me envolveu e me levou a querer saber mais da história, prestar atenção aos detalhes (principalmente aos mínimos e quase imperceptíveis) até que descobri a verdadeira trama. Lugares escuros me envolveu de forma similar, porém com mais intensidade. Intensidade inclusive é a palavra que, para mim, mais caracteriza esta história. Ela relaciona muitos personagens, o que significa inúmeras possibilidades. Eu mudava de opinião a todo o momento. E, como um bom e excepcionalmente bem escrito livro de suspense, só consegui descobrir o verdadeiro culpado quando a autora resolveu revelá-lo para mim. Tudo há seu tempo, tudo se encaixando perfeitamente, o papel de cada um dos envolvidos (ou não) revelado. 

         Nossa protagonista, Libby Day, despertou em mim sentimentos diversos. Ela não é exatamente o que podemos chamar de mocinha, mas é uma personagem forte e frágil ao mesmo tempo, atormentada pelos fantasmas de seu passado – até que decide partir em busca de respostas. Em minha opinião, tanto a história quanto seus inúmeros personagens conquistam o leitor justamente por sua complexidade. Formulei diversas teorias ao longo da leitura, e, acreditem, não foram poucas, mas o desfecho real não estava entre elas. Eu nunca imaginaria que o crime brutal que matou grande parte da família Day em 3 de janeiro de 1985 teria acontecido sob aquelas circunstâncias. Narrado do ponto de vista de três personagens diferentes e intercalando o passado com o presente, Lugares Escuros é uma das melhores histórias que já li. Gillian sabe usar muito bem os elementos necessários para levar o leitor a acreditar que chegou a uma conclusão, a um culpado, e depois desconstruir tudo aquilo que você pensava estar correto para surpreender com um desfecho inimaginável. Todos têm seus lugares escuros, e eu sei que você quer descobrir o culpado.

Sobre a Intrínseca

Uma editora jovem, não só na idade – afinal foi fundada em dezembro de 2003 – mas no espírito inovador de optar pela publicação de ficção e não ficção priorizando a qualidade, e não a quantidade de lançamentos. Essa é a marca da Intrínseca, cujo catálogo reúne títulos cuidadosamente selecionados, dotados de uma vocação rara: conjugar valor literário e sucesso comercial.