“Gamers, ainda mais gamers hardcore, games hardcore que jogavam o suficiente para serem internados em uma clínica de reabilitação, dedicavam todos os segundos possíveis a passar de fase, conseguir a pontuação mais alta ou aprimorar seus personagens. Fazer exercício, tomar banho ou cuidar da higiene eram atividades que tendiam a ser ignoradas. Mas aqueles adolescentes pareciam... asseados. Suas feições ensebadas tinham sido esfregadas até ficarem limpas, a pele, bronzeada, suas camisetas coloridas com estampas de games, jogadas no lixo. Era como se estivessem se transformando aos poucos em versões de seus avatares nos jogos. E nenhum deles parecia muito satisfeito com aquilo”.
Sinopse: “Duzentas e cinquenta horas por mês trancado no quarto jogando videogame são motivo para ser internado em uma clínica de reabilitação? O pai de Jaxon acha que sim. O problema é que isso acontece dez minutos depois de Jaxon conhecer Serena, uma garota de carne e osso que não só riu de suas piadas, como também aceitou sair com ele. Seu primeiro encontro. O primeiro em dezesseis anos. Jaxon acha que não precisa de rehab para encarar a vida real. Ele só precisa ver Serena de novo. Ela não usa celular nem Facebook, e o único modo de conseguir encontra-la é aparecer no local marcado dali a quatro dias. Mas como escapar da clínica? Lá não há naves para destruir nem galáxias para desbravar. Jaxon não tem que derrotar exércitos inteiros para rever Serena, mas sim acumular um milhão de pontos aprendendo habilidades úteis para a vida real. Então estará livre. Ele fará de tudo – mentir, trapacear, trair e até mesmo aprender a bordar – para alcançar seu objetivo: chegar a tempo no encontro e conquistar a garota dos seus sonhos. Mas se nenhum desses macetes der certo, talvez Jaxon precise, enfim, se abrir de verdade, confrontar a ausência da mãe e, quem sabe, admitir para si mesmo que não é apenas a fissura pelos games que o impede de se conectar com o mundo à sua volta. Bem-vindo à vida real, Jaxon”.
Título: Bem-Vindo à Vida Real.
Autor: Christian McKay Heidicker.
Páginas: 320 páginas.
Editora: Intrínseca.
ISBN: 978-85-510-0167-7.
“Dei uma última olhada pela janela, para além das dunas infinitas. Será que eu conseguiria encher meus bolsos com quantidade suficiente de garrafas d’água do Rango para sobreviver à travessia do deserto? Os médicos sempre diziam que eu retinha muito líquido. E eu acabaria com um bronzeado e tanto para o encontro.... Ou então me perderia e acabaria morrendo. Que comecem os jogos, acho”.
Algumas Impressões
“Bem-vindo à vida real”, do autor Christian McKay Heidicker, chegou por aqui no fim da semana passada através da parceria com a Editora Intrínseca, e eu mal podia esperar para fazer a leitura. A temática de games me interessa muito - uma vez que eu mesma sou jogadora de alguns desde a adolescência -, e a premissa do livro me conquistou logo de cara: um garoto de dezesseis anos, viciado em games e que pela primeira vez na vida consegue marcar um encontro com uma garota que não o rejeitou e ainda riu das suas piadas que, dez minutos depois de conseguir este milagre, é arrastado à força para uma clínica de reabilitação para viciados em videogames. Olha só que receita para o sucesso, não é mesmo? Só que não. Apesar de ter gostado da história no que se refere à ambientação, construção de determinados personagens, premissa, ritmo, temas que são trazidos à tona para discussão (como o próprio vício e a violência em games) e principalmente da Vídeo Horizontes (a clínica), um ponto chave não me agradou de jeito nenhum e acabou fazendo com que minha experiência de leitura não fosse tão agradável: o personagem principal. Em linhas gerais, a história é muito boa, mas Jaxon / Miles é MUITO chato. Ele é arrogante, narcisista, prepotente, manipulador, mentiroso.... A lista de coisas que não gostei nele é tão grande que eu poderia preencher um parágrafo inteiro apenas falando sobre isso.
“Eu tinha sido um herói. Tinha brandido meu machado e escalado a montanha denteada. Uma nevasca açoitava minha armadura enquanto eu me aproximava do colosso que vomitava lava tóxica em qualquer um que ousasse tentar roubar seu tesouro. Encarei o demônio nos olhos caóticos enquanto ele uivava clamando pela minha morte. E não senti metade do horror e do medo que me tomaram quando decidi praticar algum tipo de esporte com alguns viciados em videogame”.
Como a trama é narrada do ponto de vista de Jaxon, torna-se extremamente cansativo acompanhar seus intermináveis diálogos egocêntricos, onde a única coisa na qual pensa é conseguir os pontos necessários para sair da v-hab em apenas quatro dias para que possa encontrar a garota que só viu uma vez na vida e que aceitou sair com ele. As interações dele com os demais personagens me causavam grande desgosto ao longo das páginas, e só o que queria era que ele fosse substituído como narrador por outro personagem melhor. O desfecho me agradou em partes, pois fugiu do tradicional final feliz para todos (principalmente para Jaxon), mas fiquei com a sensação de que o personagem não aprendeu nenhuma lição de fato. Nada tão relevante a ponto de fazer com que ele realmente repensasse seu comportamento para com os outros e também consigo mesmo. Tudo porque ele passou a história toda olhando apenas para o próprio umbigo, e foi maçante passar as pouco mais de trezentas páginas fazendo isso junto com ele. A ótima ambientação torna-se pouco aproveitada, apesar de possuir muito potencial. Em resumo, é um livro cheio de ótimas referências aos mais diversos games e suas dinâmicas (principalmente Final Fantasy) e com uma boa construção narrativa e temática interessante, entretanto, apesar do enredo cativar, o personagem principal deixa a desejar – e muito – nesse quesito. Indicado para todos os fãs de games e para aqueles que desejam ter apenas um breve vislumbre deste mundo. Isso, é claro, se você conseguir ignorar a vontade de dar dois tapas na cara do personagem principal.
Uma editora jovem, não só na idade – afinal foi fundada em dezembro de 2003 – mas no espírito inovador de optar pela publicação de ficção e não ficção priorizando a qualidade, e não a quantidade de lançamentos. Essa é a marca da Intrínseca, cujo catálogo reúne títulos cuidadosamente selecionados, dotados de uma vocação rara: conjugar valor literário e sucesso comercial.
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