“Deveria haver um mundo onde você não existisse. Eu gostaria de viver nele”.
Sinopse: “Rafe está em todos os lugares. E Clarissa vai encontrá-lo, mesmo sendo a última coisa que gostaria que acontecesse. Vai encontrá-lo na universidade onde ambos trabalham, na estação de trem, no portão do prédio onde mora. As mensagens do homem lotam a secretária eletrônica de Clarissa, os presentes dele abarrotam sua caixa de correio. Desde a noite traumática que passaram juntos alguns meses antes, ela se vê em uma armadilha da qual não consegue escapar. E Rafe se recusa a aceitar um não como resposta. A única saída de Clarissa para esse pesadelo angustiante são as sete semanas que passará em um tribunal, onde foi escalada para compor um júri popular. A vítima em questão viveu experiências que revelam uma similaridade macabra com a vida da jurada. Conforme o julgamento se desenrola, Clarissa percebe que, para sobreviver às investidas obcecadas de Rafe, será necessário se arriscar. Começa então a reunir evidências da insanidade do perseguidor para usá-las contra ele e relata todo o terror psicológico e físico a que é submetida, o que a obriga a reviver cada momento doloroso que vem tentando desesperadamente esquecer”.
Título: Eu sei onde você está.
Autora: Claire Kendal.
Páginas: 303 páginas.
Editora: Intrínseca.
ISBN: 978-85-510-0154-7.
“Estou tentando juntar as coisas. Tentando preencher as lacunas. Tentando me lembrar das coisas que você fez antes desta manhã, quando comecei a anotar tudo. Não quero deixar escapar nenhum resquício de prova – não posso me dar ao luxo de fazer isso. Mas o esforço me obriga a reviver essa história. Mantém você comigo, que é exatamente onde não quero que você esteja”.
Algumas Impressões
Ando em uma fase de thrillers. Já comentei por aqui que, desde o ano passado, me apaixonei por este gênero literário e venho fazendo a leitura de um título após o outro. Mas, por mais que o número de thrillers na minha estante só cresça, nada poderia me preparar para a leitura de “Eu sei onde você está”, da autora Claire Kendal. Assim que li a sinopse, imaginava que seria uma história de terror, ou mesmo com aquele quê de thriller psicológico. Mas, por mais que estes elementos estejam presentes na narrativa, a trama é muito mais complexa, profunda e, até mesmo, brutal. A realidade estampada nas páginas nos faz refletir não apenas sobre a história de Clarissa, mas de todas que sofrem com o mesmo problema diariamente – e, na maioria das vezes, caladas. O silêncio e a cegueira seletivos das autoridades, a incapacidade de fazer algo e o medo que espreita a cada esquina. Sentimentos que, como mulher, me fizeram chorar em vários momentos, me revoltar em outros, e torcer para que o desfecho da personagem não fosse como o de várias mulheres sobre as quais assistimos e lemos todos os dias (e que, muitas vezes, ainda são culpabilizadas). Trazendo uma reflexão imprescindível para a sociedade atual, “Eu sei onde você está” vai contar a história de Clarissa, uma mulher que vive atormentada por conta do assédio de Rafe, um homem obcecado, e que nutre por ela um “amor” doentio. Ele a vigia, segue a quase todos os lugares, e definitivamente não conhece o significado da palavra “não”. Para fugir desta situação angustiante, ela aceita participar de um júri popular por sete semanas, em um caso onde a similaridade com o que vem acontecendo com ela é assustadora. Será que ela finalmente conseguirá se ver livre de Rafe?
“Preciso estar num lugar onde possa pensar, um dos meus lugares preferidos. Preciso fingir que assassinos que torturam mulheres e escondem seus corpos debaixo de assoalhos existem apenas nos jornais. Não na vida real. Preciso fingir que é normal sair para caminhar num fim de tarde, mesmo se o céu já começa a escurecer. Se eu fingir isso tudo com bastante determinação, talvez venha a se tornar realidade”.
Em outras palavras, a obra de Claire aborda temas que têm sido / precisam ser cada vez mais discutidos em nossa sociedade: o assédio e o abuso sexual. Em tempos em que vivemos no Brasil casos como os de mulheres sendo abusadas em transportes públicos e culpabilizadas (e o assediador solto, por ordem da justiça), e uma estatística assustadora de um estupro a cada 11 minutos, através de Clarissa, sua personagem principal, a autora nos convida a compreender de forma muito intensa como a vítima se sente (acuada, amedrontada, envergonhada), e o quanto é difícil procurar ajuda, principalmente quando vivemos em uma sociedade onde as vítimas são mais questionadas do que os abusadores e, frequentemente, desacreditadas. A narrativa foi construída de uma forma incomum, passando-se, na maior parte do tempo, nas páginas do diário que a mulher mantém com a esperança de que um dia o mesmo sirva como prova para denunciar o homem que a persegue. A realidade retratada é absolutamente assustadora, e, através dos relatos, é possível perceber com clareza toda a angústia, a impotência, a procura por uma saída, por provas que atestem o desequilíbrio de Rafe e o afastem dela. A todo momento Clarissa busca um meio de se livrar da tortura psicológica – e também física – que sofre, e, durante a leitura, senti uma vontade absurda de adentrar as páginas, tirá-la daquela situação e dar um fim em seu perseguidor. A trama me tocou de uma forma profunda, pois, de certa forma, todas somos passíveis de sofrer com os mesmos problemas que a personagem enfrenta, uma vez que vivemos em uma sociedade extremamente machista e que, volto a dizer, insiste em culpar a vítima ao invés do abusador. É um retrato escrito de forma primorosa, original e perturbadora, que explora a fronteira entre o amor e a obsessão, a fantasia delirante e a realidade e, principalmente, entre perder o jogo e sobreviver. Leitura mais do que recomendada, mas repleta de gatilhos.
Uma editora jovem, não só na idade – afinal foi fundada em dezembro de 2003 – mas no espírito inovador de optar pela publicação de ficção e não ficção priorizando a qualidade, e não a quantidade de lançamentos. Essa é a marca da Intrínseca, cujo catálogo reúne títulos cuidadosamente selecionados, dotados de uma vocação rara: conjugar valor literário e sucesso comercial.
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