terça-feira, 26 de setembro de 2017

Resenha: Quinze Dias

“Eu sou gordo. Não sou “gordinho” ou “cheinho” ou “fofinho”. Eu sou pesado, ocupo espaço e as pessoas me olham torto na rua. Sei que existem pessoas no mundo com problemas muito maiores que os meus, mas eu não costumo pensar no sofrimento dos outros quando estou vivendo meu próprio sofrimento na escola. O ensino médio tem sido meu inferno particular pelos últimos dois anos e meio”. 

Sinopse: “Felipe está esperando por esse momento desde que as aulas começaram: o início das férias de julho. Finalmente ele vai poder passar alguns dias longe da escola e dos colegas que o maltratam. Os planos envolvem se afundar nos episódios atrasados de suas séries favoritas, colocar a leitura em dia e aprender com tutoriais no Youtube coisas novas que ele nunca vai colocar em prática. Mas as coisas fogem um pouco do controle quando a mãe de Felipe informa que concordou em hospedar Caio, o vizinho do 57, por longos quinze dias, enquanto os pais dele estão viajando. Felipe entra em desespero porque a) Caio foi sua primeira paixãozinha na infância (e existe uma grande possibilidade dessa paixão não ter passado até hoje) e b) Felipe coleciona uma lista infinita de inseguranças e não tem a menor ideia de como interagir com o vizinho. Os dias que prometiam paz, tranquilidade e maratonas épicas de Netflix acabam trazendo um turbilhão de sentimentos, que obrigarão Felipe a mergulhar em todas as questões mal resolvidas que ele tem consigo mesmo”. 

Título: Quinze Dias.
Autor: Vitor Martins. 
Páginas: 208 páginas.
Editora: Globo Alt. 
ISBN: 978-85-250-6315-1.

“Eu continuo parado. Desacreditado. Meu rosto está suado, aterrorizado e imóvel. Como um quadro que minha mãe pintaria em um dia ruim. “Calma, garoto, é só o seu vizinho! ”, você deve estar pensando agora. Então eu acho que chegou a hora de falar um pouco sobre Caio, O Vizinho do 57”. 

Algumas Impressões 

Se tem uma coisa que gosto muito é conhecer autores novos, principalmente quando abordam assuntos que fogem à zona de conforto da maior parte da sociedade. E, quando o autor em questão é uma pessoa a qual você acompanha já há algum tempo, e que está lançando um livro cujo processo de escrita você pôde observar, tudo se torna ainda mais significativo. Conheci o canal Vitor Martins (clique para acessar) assim que comecei a acompanhar o booktube, um nicho específico de produtores de conteúdo literário no YouTube, e logo fiquei encantada com a forma como ele se expressava e com os títulos que indicava. Talvez por isso – e também por vários outros aspectos -, tenha sido uma sensação indescritível estar diante do Vitor na última Bienal Internacional do Livro do Rio de Janeiro (minha primeira bienal), onde o autor lançou seu primeiro livro, “Quinze Dias”. Na trama, somos apresentados a Felipe, um jovem que enfrenta um árduo dia a dia na escola. Não que o ensino médio seja fácil para alguém, mas, para ele, que é gordo e homossexual, as horas diárias entre os colegas - que o maltratam com uma lista infinita de xingamentos (de modo algum criativa) e abusos -, são uma verdadeira prova de resistência. Mas, com a proximidade das férias de julho, ele finalmente vai poder passar alguns dias longe desta realidade, e pretende se afundar completamente em maratonas de séries, livros e tutoriais do YouTube. Contudo, toda a programação vai por água à baixo quando sua mãe avisa, nos quarenta e cinco do segundo tempo, que eles vão hospedar Caio, o vizinho do 57... e sua primeira paixão na infância. As chances de isso dar errado são estratosféricas, em parte pelas lembranças do passado, quando os dois passavam dias inteiros brincando na piscina do condomínio, mas, principalmente, por conta da coleção de inseguranças de Felipe, que, além de não estar bem consigo mesmo, não faz ideia de como vai interagir com o vizinho durante longos quinze dias. Agora, ele terá que modificar sua rotina, lidar a cada segundo com as questões mal resolvidas, e também com o verdadeiro turbilhão de sentimentos causado pela presença de Caio – que, de uma forma ou de outra, vai provocar uma grande reviravolta na forma como Felipe percebe o mundo e a si mesmo.

“(...). Agora você entende o meu desespero? Gordo, gay e apaixonado por um garoto que nem responde ao meu “bom dia” no elevador. Tudo pode dar errado. Tudo vai dar errado. E eu não tenho tempo de pensar num plano de fuga emergencial porque a campainha está tocando. E minha mãe está abrindo a porta. E eu, claro, estou todo suado. Vai começar”. 

Se tem uma coisa que precisamos exaltar e enaltecer a cada dia é a questão da representatividade. Porque sim, ela importa, e muito. Vivemos em uma sociedade extremamente preconceituosa, em um tempo onde um grupo de “profissionais” consegue o direito na justiça de fornecer um tratamento no mínimo controverso, conhecido popularmente como “cura gay”, por exemplo. Mesmo absurda, são muitos os que apoiam esta ação, o que é preocupante, revoltante e significativo. E este é um dos motivos pelos quais a representatividade é de extrema importância. Colocar em pauta questões como a homofobia, a não aceitação do outro e os abusos psicológicos e físicos sofridos pelos que são considerados “diferentes” ou que “fogem ao padrão” (como as pessoas que estão “acima do peso”, ou, nas palavras sinceras e realistas de Felipe, gordos), é um passo imprescindível para a mudança. Por mais que nossas realidades sejam diferentes em diversos pontos, a identificação que tive com o personagem me levou a refletir acerca de várias questões, e acredito que este seja um dos principais objetivos da obra. Com uma narrativa fluida e de fácil leitura, o enredo é narrado em primeira pessoa por Felipe, que, apesar de todas as suas inseguranças, é extremamente bem-humorado e divertido. As constantes referências a elementos da cultura pop e nerd me conquistaram, e, quando dei por mim, as pouco mais de duzentas páginas já haviam acabado. Tanto Felipe quanto Caio são personagens muito bem construídos, e é interessante acompanhar o processo de mudança, crescimento e também aceitação pelo qual ambos passam ao longo dos capítulos, cada um à sua maneira. Agradeço ao Vitor pela oportunidade de conhecer esta narrativa, e por sua determinação em representar, de maneira tão brilhante, questões que precisam tanto de atenção. É uma leitura mais do que recomendada, afinal, representatividade e lembretes constantes de que o mundo inteiro é nosso nunca são demais.

Sobre o autor
Vitor Martins é ilustrador, leitor compulsivo, apaixonado por filmes, séries e pizza. Ele fala sobre todos esses assuntos (exceto pizza) em seu canal no YouTube (clique para acessar). Mora em São Paulo, é dono de um gato chamado Clarêncio e, infelizmente, não possui nenhum pijama legal em seu armário. Quinze dias é seu primeiro livro.



2 comentários:

  1. Eu tô querendo muito ler esse livro, principalmente pela representatividade. Fico super feliz que agora, mesmo que minimamente, estamos começando a ser vistos. Muitos ainda vêem de forma completamente errada e distorcida, MAS já é um começo. Adorei a resenha e espero poder ler o livro em breve <3

    http://www.sextadimensao.com/

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    1. Pois é, a questão da representatividade é muito importante, e o Vitor soube trazer isso de uma forma muito bacana no livro. Eu adorei e indico mesmo! Quando ler me diz o que achou! <3

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